terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

MARIA TERESA HORTA (1937-2025)

 



Fotografia de ALFREDO CUNHA - AQUI


TEMPO DE LUZES


É um tempo coado
de azevinho
com odores de doce

e de memória

O colo da mãe
em desalinho
a cor da ternura

na demora

É um tempo de luzes
e de linho
com sussurros

de cristal e de romã

Lonjura que nos traz
o som de um sino
onde o sonho se mistura

com a manhã





MORRER DE AMOR

Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso




VOAMOS

Voamos a lua,
menstruadas

Os homens gritam:
- são as bruxas

As mulheres pensam:
- são os anjos

As crianças dizem:
- são as fadas



AMOR HUMANO

Eu te procurarei 
por entre os astros 
do meu sobressalto
e tudo parecerá perdido 
à minha beira a querer iludir 
séculos de engano
ano após ano
Mas nada será mais belo 
que o nosso amor humano



RESISTÊNCIA

Ninguém me castra a poesia
se debruça e me põe vendas
censura aquilo que escrevo
nem me assombra os poemas

Ninguém me paga os versos
nem amordaça as palavras
na invenção de voar
por entre o sonho e as letras

Ninguém me cala na sombra
deitando fogo aos meus livros
me ameaça no medo
ou me destrói e algema

Ninguém me aquieta a escrita
na criação de si mesma
nem assassina a musa
que dentro de mim se inventa



BASTA
                    
Basta.
— digo —
que se faça
do corpo da mulher:

a praça — a casa
a taça

A ÁGUA

Com que se mata
a sede
do vício e da desgraça




FIM DE DIA DE UMA OPERÁRIA GRÁVIDA

Sente o peso do filho
na barriga
As costas leva curvadas

Nas pernas vê as varizes
Vê as mãos
que traz inchadas

(A casa! Chegar a casa!)

E vai andando apressada: empurrando o corpo
lento
devorado de cansaço
Com um desespero manso e firme a entrar-lhe
pelos braços

(A casa? Chegar a casa?)

E a cama desalinhada?
E a comida por fazer?
E a louça não lavada?

Na fábrica ficou a máquina
na oficina o ruído
a obra já acabada

Mas ainda falta a casa
Com a sua vida a cumprir: .
varrer
panelas
jantar

E a roupa do marido
toda ainda por lavar

(A casa... Chegar a casa…)

A que horas vai poder
deitar-se para dormir?
Num sono de se esquecer…

A que horas vai poder?
Sente o peso do filho
na barriga
As costas leva curvadas

Nas pernas vê as varizes
Vê as mãos
que traz inchadas

(A casa! Chegar a casa!)

E vai andando apressada: empurrando o corpo
lento
devorado de cansaço
Com um desespero manso e firme a entrar-lhe
pelos braços

(A casa? Chegar a casa?)

E a cama desalinhada?
E a comida por fazer?
E a louça não lavada?

Na fábrica ficou a máquina
na oficina o ruído
a obra já acabada

Mas ainda falta a casa
Com a sua vida a cumprir: .
varrer
panelas
jantar

E a roupa do marido
toda ainda por lavar

(A casa... Chegar a casa…)

A que horas vai poder
deitar-se para dormir?
Num sono de se esquecer…

A que horas vai poder?



ENQUANTO CALAS

Enquanto calas
dobas o medo
que te cresce na fala

E a solidão bordas
a ponto de silêncio




PONTO DE HONRA

Desassossego a paixão
espaço aberto nos meus braços
Insubordino o amor
desobedeço e desfaço

Desacerto o meu limite
incendeio o tempo todo
Vou traçando o feminino
tomo rasgo e desatino

Contrario o meu destino
digo oposto do que ouço

Evito o que me ensinaram
invento troco disponho
Recuso ser meu avesso
matando aquilo que sonho

Salto ao eixo da quimera
saio voando no gosto

Sou bruxa
Sou feiticeira
Sou poetisa e desato
Escrevo
e cuspo na fogueira






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