Há momentos das nossas vidas que se refugiam num silêncio doloroso: as palavras atropelam-se e fogem-nos. Inúmeras imagens cinzentas teimam em sobrepor-se às recordações coloridas que nos habitam…
Estremecemos sem fim e restam-nos as lágrimas - tantas vezes
ensaiadas - perante o desabar anunciado de um mundo familiar.
Há quatro anos que o nosso pai se debatia - nunca conformado -
contra a síndrome mielodisplásica que lhe atolava o corpo. Na dança cada vez
mais solitária de plaquetas, glóbulos rubros e glóbulos brancos, erguia-se a
teimosia dele, indomável. Fez tratamentos, melhorou, sofreu, interrompeu-os,
fez experiências caseiras, sofreu, mas nunca cedeu! Confiava desesperadamente
na ciência e na sábia decisão dos médicos: isolado num quarto do hospital de Braga há já quatro
semanas, continuava a acreditar…
Inexorável, a doença foi trilhando o corpo: febres e
hemorragias minaram a sua resistência e, nos últimos dias, os opiáceos só lhe destilavam breves momentos de lucidez. As palavras doíam: para comunicar, apertava a nossa
mão, acenava com a cabeça. Ofereceu-nos um momento de alegria quando a neta,
Mariana, lhe perguntou se queria água: não reagiu; perguntou-lhe então, em tom campesino, se
queria um copo de vinho: acenou logo que sim, esboçando um sorriso…
Ao fim da tarde do dia vinte, e após longas hesitações,
levámos a nossa mãe que continuava a estranhar as luvas e a máscara. Ao contrário da visita anterior, aproximou-se e, espontaneamente, beijou-o e
ficou a acariciar-lhe as mãos. Apesar da ajuda do oxigénio, nessa altura, o nosso pai respirava com muito
esforço: não conseguia falar nem movimentar-se, mas
viu-a! Os seus olhos encheram-se de lágrimas…
E foi o rosto da Mulher escolhida, amada e protegida que
o amparou na partida.
Restam-nos estas lágrimas de reconhecimento que, pela vida
fora, saciarão a nossa sede…
Resta-nos o sorriso doce da nossa mãe que provavelmente
sentiu o drama e logo de seguida o esqueceu…
Resta-nos o calor da presença dos nossos filhos, dos nossos companheiros, dos familiares e dos amigos nesta indescritível aprendizagem de Vida…
Resta-nos o calor da presença dos nossos filhos, dos nossos companheiros, dos familiares e dos amigos nesta indescritível aprendizagem de Vida…
Maria Laura e João Paulo
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