quarta-feira, 22 de maio de 2019

CHICO BUARQUE DE HOLANDA - Construção

Chico Buarque, um Prémio Camões com mensagem artística e política

O prémio literário mais importante do universo da língua portuguesa distinguiu nesta terça-feira, na sua 31.ª edição, um ícone da música popular brasileira a que faltava a definitiva consagração como escritor.
21 de Maio de 2019
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Amou daquela vez
Como se fosse a última
Beijou sua mulher
Como se fosse a última
E cada filho seu
Como se fosse o único
E atravessou a rua
Com seu passo tímido
Subiu a construção
Como se fosse máquina
Ergueu no patamar
Quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo
Num desenho mágico
Seus olhos embotados
De cimento e lágrima
Sentou pra descansar
Como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz
Como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou
Como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou
Como se ouvisse música
E tropeçou no céu
Como se fosse um bêbado
E flutuou no ar
Como se fosse um pássaro
E se acabou no chão
Feito um pacote flácido
Agonizou no meio
Do passeio público
Morreu na contramão
Atrapalhando o tráfego…
Amou daquela vez
Como se fosse o último
Beijou sua mulher
Como se fosse a única
E cada filho seu
Como se fosse o pródigo
E atravessou a rua
Com seu passo bêbado
Subiu à construção
Como se fosse sólido
Ergueu no patamar
Quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo
Num desenho lógico
Seus olhos embotados
De cimento e tráfego
Sentou pra descansar
Como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz
Como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou
Como se fosse máquina
Dançou e gargalhou
Como se fosse o próximo
E tropeçou no céu
Como se ouvisse música
E flutuou no ar
Como se fosse sábado
E se acabou no chão
Feito um pacote tímido
Agonizou no meio
Do passeio náufrago
Morreu na contramão
Atrapalhando o público…
Amou daquela vez
Como se fosse máquina
Beijou sua mulher
Como se fosse lógico
Ergueu no patamar
Quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar
Como se fosse um pássaro
E flutuou no ar
Como se fosse um príncipe
E se acabou no chão
Feito um pacote bêbado
Morreu na contramão
Atrapalhando o sábado…
Por esse pão pra comer
Por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer
E a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar
Por me deixar existir
Deus lhe pague…
Pela cachaça de graça
Que a gente tem que engolir
Pela fumaça desgraça
Que a gente tem que tossir
Pelo andaimes pingentes
Que a gente tem que cair
Deus lhe pague…
Pela mulher carpideira
Pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras
A nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira
Que enfim nos vai redimir
Deus lhe pague…

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