segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

NATAL das Palavras!



Fotografia de José Maria Laura

ÍNDICE
(Seleção de José Maria Laura)

1 NATAL AFRICANO - Cabral do Nascimento


2 NATAL UP-TO-DATE - David Mourão-Ferreira

3 VELHO MENINO-DEUS - Miguel Torga


4 NATAL - Casimiro de Brito


5 CONVERSA INFORMAL COM O MENINO - Carlos Drummond de Andrade 

6 NATAL  - Álvaro Feijó

7 A MORTE DO PAI NATAL - Rui Souza Coelho

8 ÚLTIMO POEMA - Eugénio de Andrade

9 QUANDO UM HOMEM QUISER - Ary dos Santos

10 O MEU NATAL DE ANTIGAMENTE - Teresa Rita Lopes

11 DIA DE NATAL - António Gedeão

12 NATAL À BEIRA-RIO - David Mourão-Ferreira

13 NATAL - Luís Veiga Leitão 

14 NATAL - Fernando Pessoa

15 VOTO DE NATAL - David Mourão-Ferreira

16 COMO ARMAR UM PRESÉPIO - José Paulo Paes

17 NATAL - Sidónio Muralha

18 ROMANCE DE UM FUTURO NATAL - David Mourão-Ferreira 

19 O NATAL - Orlando Neves

20 NA TAL - David Mourão-Ferreira 

21 VERSOS DE NATAL - Manuel Bandeira

22 FALAVAM-ME DE AMOR - Natália Correia

23 NATAL, E NÃO DEZEMBRO - David Mourão-Ferreira

24 UMA PEQUENINA LUZ - Jorge de Sena

25 POEMA DE NATAL - Vinicius de Moraes

26 NATAL - Miguel Torga

27 LITANIA PARA O NATAL DE 1967 - David Mourão-Ferreira

28 OS ANIMAIS DO PRESÉPIO - Carlos Drummond de Andrade

29 CHOVE. É DIA DE NATAL - Fernando Pessoa

30 PRESÉPIO - Pedro Homem de Mello 

31 LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS - David Mourão-Ferreira

32 MELOPEIA DE DEZEMBRO - José Régio

33 NÃO DIGO DO NATAL - Pedro Tamen

34 LITANIA DO NATAL - José Régio

35 NATAL - Maria Teresa Horta

36 ODE AOS NATAIS ESQUECIDOS - José Jorge Letria

37 NATAL - Fernando Pessoa

38 NATAL DIVINO - Miguel Torga

39 A FAVA - Vasco Graça Moura

40 NATAL - José Régio

41 HINO DE AMOR - João de Deus

42 EM CRUZ NÃO ERA ACABADO - Natália Correia

43 NATAL CHIQUE - Vitorino Nemésio

44 É TEMPO DE NATAL - António Manuel Couto Viana

45 NATAL - Mauro Mota

46 
NATAIS MÁGICOS - Maria Amélia Moura

47 NATAL - Manuel Alegre

48 NATAL DE 1971 - Jorge de Sena

49 NATAL - Miguel Torga

50 NATAL - Miguel Torga

51 
NATAL... NATAIS... - Cabral do Nascimento

52 TEMPO DE LUZES - Maria Teresa Horta

53 NATAL: UMA ALEGRIA QUE VEM DE DENTRO - José Tolentino Mendonça

54 NOITE  DE NATAL - António Feijó

55 O PRESÉPIO DOS AVÓS - José Jorge Letria







1
NATAL AFRICANO 
Cabral do Nascimento

Não há pinheiros nem há neve,

Nada do que é convencional,
Nada daquilo que se escreve
Ou que se diz... Mas é Natal.

Que ar abafado! A chuva banha

A terra, morna e vertical.
Plantas da flora mais estranha,
Aves da fauna tropical.

Nem luz, nem cores, nem lembranças

Da hora única e imortal.
Somente o riso das crianças
Que em toda a parte é sempre igual.

Não há pastores nem ovelhas,

Nada do que é tradicional.
As orações, porém, são velhas
E a noite é Noite de Natal.

🌲


2 
NATAL UP-TO-DATE
David Mourão-Ferreira

Em vez da consoada há um baile de máscaras

Na filial do Banco erigiu-se um Presépio
Todos estes pastores são jovens tecnocratas
que usarão dominó já na próxima década

Chega o rei do petróleo a fingir de Rei Mago

Chega o rei do barulho e conserva-se mudo
enquanto se não sabe ao certo o resultado
dos que vêm sondar a reacção do público

Nas palhas do curral ocultam microfones

O lajedo em redor é de pedras da Lua
Rainhas de beleza hão-de vir de helicóptero
e é provável até que se apresentem nuas

Eis que surge no céu a estrela prometida

Mas é para apontar mais um supermercado
onde se vende pão já transformado em cinza
para que o ritual seja muito mais rápido

Assim a noite passa E passa tão depressa

que a meia-noite em vós nem se demora um pouco
Só Jesus no entanto é que não comparece
Só Jesus afinal não quer nada convosco.



3
VELHO MENINO-DEUS 
Miguel Torga

Velho Menino-Deus que me vens ver

Quando o ano passou e as dores passaram:
Sim, pedi-te o brinquedo e queria-o ter,
Mas quando as minhas dores o desejaram…

Agora, outras quimeras me tentaram

Em reinos onde tu não tens poder…
Outras mãos mentirosas me acenaram
A chamar, a mostrar e a prometer

Vem, apesar de tudo, se queres vir.

Vem com neve nos ombros, a sorrir
A quem nunca doiraste a solidão…

Mas o brinquedo… quebra-o no caminho.

O que eu chorei por ele! Era de arminho
E batia-lhe dentro um coração…

🌟


4
NATAL
Casimiro de Brito

As emissoras difundem
 mensagem de Natal
do Presidente da Cruelândia:
- Inventámos um novo míssil
capaz de destruir
em pleno silêncio
o ventre da mais pequena
semente
da terra.

As sementes no entanto prosseguem
em seu ofício
de liberdade. Indiferentes
aos mecanismos
da usura e da guerra. Operários
da paz
no centro da terra.




🎄


5
CONVERSA INFORMAL COM O MENINO 
Carlos Drummond de Andrade 

Menino, peço-te a graça

de não fazer mais poema 
de Natal.
Uns dois ou três, inda passa...
Industrializar o tema, 
eis o mal.

Como posso, pergunto o ano

inteiro, viver sem Cristo 
(por sinal,
na santa paz do gusano)
e agora embalar-te: isto 
é Natal?

Os outros fazem? Paciência,

todos precisam de vale... 
Afinal,
em sua reta inocência,
diz-me o burro que me cale, 
natural.

E o boi me segreda: Acaso

careço de alexandrino 
ou jornal
para celebrar o caso
humano quanto divino, 
hem, jogral?

Perdoa, Infante, a vaidade,

a fraqueza, o mau costume 
tão geral:
fazer da Natividade
um pretexto, não um lume 
celestial.

Por isso andou bem o velho

do Cosme Velho, indagando, 
marginal,
no seu soneto-cimélio,
o que mudou, como, quando, 
no Natal.

Mudei, piorei? Reconheço

que não penetro o mistério 
sem igual.
Não sei, Natal, o teu preço,
e te contemplo, cimério, 
a-pascal.
Vou de novo para a escola,
vou, pequenino, anular-me, 
grão de sal
que se adoça ao som da viola,
a ver se desperto um carme 
bem natal.

Não será canto rimado,

verso concretista, branco 
ou labial;
antes mudo, leve, agrado
de vento em flor no barranco, 
diagonal.
Não venho à tua lapinha
pedir lua, amor ou prenda 
material.
Nem trago qualquer coisinha
de ouro subtraído à renda 
nacional.

Nossa conversa, Menino,

será toda silenciosa, 
informal.
Não se toca no destino
e em duros temas de prosa 
lacrimal.

Não vou queixar-me da vida

ou falar (mal) do governo 
brasilial.
Nem cicatrizar ferida
resultante do meu ser-no- 
mundo atual.

Deixa-me estar longamente

junto ao berço, num enleio 
colegial.
(Àquele que é menos crente,
um anjo leva a passeio: 
é Natal.)

Prosterno-me, e teu sorriso

sugere, menino astuto 
e cordial:
Careço de ter mais siso
e vislumbrar o Absoluto 
neste umbral.

Sim, pouco enxergo. Releva

ao que lhe falta a poesia, 
e por al.
Gravura em branco, na treva:
a treva se aclara em dia 
de Natal.



6
NATAL
Álvaro Feijó

Nasceu.
Foi numa cama de folhelho,
entre lençóis de estopa suja,
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar nas bordas dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo,
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos Reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroa de espinhos
mas coroa de baionetas,
postas até ao fundo
do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.
🌟


7
A MORTE DO PAI NATAL
Rui Souza Coelho

Era um pai Natal barrigudo, com longas barbas brancas e um fato vermelho com capuz. Vivia no Pólo Norte e tinha um trenó puxado por seis renas.
Uma noite de Natal, andando ele a distribuir brinquedos, pousou o seu trenó no telhado coberto de neve de uma casa de lousa. Como a chaminé era estreita e o pai Natal não cabia, resolveu descer e bater à porta.
- Quem é? – perguntaram de dentro vozes de criança.
- É o Pai Natal.
- Não pode ser.
- Sou, sou.
- O Pai Natal não existe.
- Existe sim! Sou eu!
- …e nós somos órfãos.
- Coitadinhos!
- E se és o Pai Natal, porque vens bater à porta em vez de entrares pela chaminé?
- Porque a chaminé é estreita e a minha barriga muito grande.
- Balelas! Tu é que não és o Pai Natal!
- Sou eu, sim! Abram-me a porta! Deixem-me entrar!
- Se és o Pai Natal e queres entrar, entra pela chaminé.
O Pai Natal não teve outro remédio. Se queria que acreditassem nele, tinha de entrar pela chaminé. Subiu de novo ao telhado. Despiu a roupa toda e untou o corpo com manteiga, para escorregar melhor. Saltou.
Splash! Em cheio na panela que estava ao lume!
Nunca os meninos tiveram um Natal tão feliz!

🎄

8
ÚLTIMO POEMA
Eugénio de Andrade

É Natal, nunca estive tão só.

Nem sequer neva como nos versos
do Pessoa ou nos bosques
da Nova Inglaterra.
Deixo os olhos correr
entre o fulgor dos cravos
e os diospiros ardendo na sombra.
Quem assim tem o verão
dentro de casa
não devia queixar-se de estar só,
não devia.

🎅


9

QUANDO UM HOMEM QUISER
Ary dos Santos

Tu que dormes à noite na calçada do relento 

numa cama de chuva com lençóis feitos de vento 
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento 
és meu irmão, amigo, és meu irmão 

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme 

numa cama de raiva com lençóis feitos de lume 
e sofres o Natal da solidão sem um queixume 
és meu irmão, amigo, és meu irmão 

Natal é em Dezembro 

mas em Maio pode ser 
Natal é em Setembro 
é quando um homem quiser 
Natal é quando nasce 
uma vida a amanhecer 
Natal é sempre o fruto 
que há no ventre da mulher 

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar 

tu que inventas bonecas e comboios de luar 
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar 
és meu irmão, amigo, és meu irmão 

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei 

fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei 
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei 
és meu irmão, amigo, és meu irmão 

🌲


10
O MEU NATAL DE ANTIGAMENTE
Teresa Rita Lopes


Quando era menina
não havia Pai Natal nem Árvore de Natal.
Armava-se o presépio com chão de musgo
rochas de cortiça virgem ervas a valer
pedrinhas de verdade
e searinhas que se semeavam em pires e latas vazias
no dia 8 de Dezembro
e eram o pequeno milagre o primeiro
a despontar dos grãos de trigo e a crescer todos os dias.
As criaturas do presépio eram de compra
mas também moldei algumas em barro fresco.
Uma vez uma das minhas tias fez casas e igreijinhas de papel
e acendemos velas lá dentro.
Foi um deslumbramento a luz a sair pelas janelinhas!
Mas ardeu tudo de repente.
Desde então só a lamparina de azeite continuou a alumiar
esse parco mundo pobre.

No meu Natal de antigamente havia menos presentes.
Os meninos não exigiam esses brinquedos extrabíblicos:
computadores, jogos de computadores, cêdêroms, sei lá.
Nem o Menino Jesus podia com tanto peso!
Sim, porque no meu Natal de antigamente era o Menino Jesus
quem dava as prendas.
Púnhamos, na véspera, o sapatinho na chaminé
mas tínhamos que ir para a cama esperar pela manhã
porque Ele só descia pela calada da noite
se ninguém estivesse à espreita
(hoje o Pai Natal não tem esses pudores).
Eu imaginava-o a saltar das palhinhas
nuzinho em pêlo
e a Nossa Senhora a agasalhá-Lo logo com a sua capa.
E lá ia Ele
como um menino pobre enrolado no casaco do pai
a contentar todas as crianças do mundo.
O Pai Natal, esse, foi encarregado (não sei por quem)
de dar presentes a pequenos e grandes.
Com o Menino Jesus tudo ficava entre meninos.
E se a prenda não agradava
a gente fazia-lhe uma careta
e até, à socapa, chamava-lhe um nome feio.

O Pai Natal é um palhaço cheio de postiços:
barba bigode cabeleira
até a barriga é uma almofadinha.
E vai à televisão convencer-nos a comprar coisas.
Agora o Natal antecipa o Carnaval.
O Menino Jesus, esse não! nunca ia à televisão
(que para dizer a verdade não existia ainda.)

Mas que menino de hoje trocaria o seu Pai Natal
(gerente de um supermercado de prendas)
pelo meu Menino Jesus
a tiritar nas palhas?


🌲

11
DIA DE NATAL
António Gedeão

Hoje é o dia de era bom.

É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros- coitadinhos- nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua
miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.

É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,

como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu

e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus
nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso
antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.

Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,

com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de
cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,

ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.

Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra- louvado seja o Senhor!- o que nunca tinha pensado
comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.

Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino

abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!


Na branda macieza

da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus

o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria

reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!

E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,

Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

🌟


12

NATAL À BEIRA-RIO 
David Mourão-Ferreira

É o braço do abeto a bater na vidraça?

E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?



13

NATAL 
Luís Veiga Leitão 

Natal é uma voz circular 

calor de um ovo na palha dos ninhos 
e música de flautas 
habitando a solidão dos caminhos. 

🌲


14

NATAL 
Fernando Pessoa

Natal... Na província neva.

Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,

Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça

A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!




15
VOTO DE NATAL
David Mourão-Ferreira


Acenda-se de novo o Presépio do Mundo!
Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!
Como quem na corrida entrega o testemunho,
passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.

E a corrida que siga, o facho não se apague!
Eu aperto no peito uma rosa de cinza.
Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,
para sentir no peito a rosa reflorida!

Filhos, as vossas mãos. E a solidão estremece,
como a casca do ovo ao latejar-lhe vida...
Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:
dentro de mim não sei qual é que se eterniza.

Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!
Ó calor destas mãos nos meus dedos tão frios!
Acende-se de novo o Presépio nas almas.
Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.



🎊


16
COMO ARMAR UM PRESÉPIO 
José Paulo Paes

Pegar uma paisagem qualquer

cortar todas as árvores e transformá-las em papel de imprensa 
enviar para o matadouro mais próximo todos os animais 
retirar da terra o petróleo ferro urânio que possa eventualmente conter e fabricar
carros tanques aviões mísseis nucleares cujos morticínios hão de ser noticiados
com destaque 
despejar os detritos industriais nos rios e lagos 
exterminar com herbicida ou napalm os últimos traços de vegetação 
evacuar a população sobreviventes para as fábricas e cortiços da cidade 
depois de reduzir assim a paisagem à medida do homem 
erguer um estábulo com restos de madeira cobri-lo de chapas
enferrujadas e esperar 
esperar que algum boi doente algum burro fugido algum carneiro sem dono venha
nele esconder-se 
esperar que venha ajoelhar-se diante dele algum velho pastor que ainda acredite
no milagre 
esperar esperar 
quem sabe um dia não nasce ali uma criança e a vida recomeça? 

🎄


17
NATAL
Sidónio Muralha



O poeta nasceu numa choupana fria
e em cima da palha fria também.
Mas não havia anjos, não havia…
E a noite era agreste, enorme, fria,
E o poeta, no ventre da mãe, já ouvia,
ouvia, nitidamente ouvia, e sentia também,
os gritos da mãe,
- ensanguentados e longos os gritos da mãe.

E não havia estrelas na choupana, não havia…
Só um clarão de incêndio além, além…
- para quê estrelas, se ninguém lá ia?... –
e tornando mais fria a noite fria,
o poeta ouvia, ouvia e sentia também,
mais ensanguentados e longos os gritos da mãe.

Trazia consigo, trazia, trazia
distâncias marcadas, caminhos traçados,
e o ritmo de tudo que no mundo havia
- o que o mundo sabia e não sabia… -
e requintes, e pecados,
e todos os gestos, e todos os dramas,
e milhões de versos quentes como chamas,

e trazia também
- trazia também o sangue endoidado,
revolto e alongado
dos gritos da mãe.

Mas a noite era agreste, enorme, fria,
e um dedo de fogo apontou no além:
o tecto caiu, e enquanto caía,
o poeta sorria, sorria e sorria,
e, depois, ainda ouvia
(ouvia e sentia, também)
- a escorrer, a escorrer na noite fria,
ensanguentados e longos, os gritos da mãe!


🎅


18
ROMANCE DE UM FUTURO NATAL 
David Mourão-Ferreira 

Vai a caminho de Marte
um foguetão de turistas
Turismo pobre... É um charter
de tarifa reduzida
Ou serão refugiados
Parece que vão fugidos
Quem sabe de que se escapam
Quem sabe a que vão fugindo
Consta da lista uma grávida
com ar de Madona antiga
das que inda se desenhavam
nos fins do século vinte
Chegou à pista de embarque
mesmo à hora da partida
E traz escrito na face
aquilo que decidira
Não quer que seu filho nasça
na Terra que vai perdida
Dão-lhe razão
Todos sabem
que funda razão lhe assiste
Todos conhecem o estado
que a pobre Terra atingiu
sobretudo após a grave
crise do século trinta
Vão a caminho de Marte
como quem foge à desdita
Sentem-se dentro da nave
bastante mais protegidos
É como voltar ao espaço
de antes de haverem nascido
Todos a grávida tratam
com cuidados infinitos
E sonham Talvez em Marte
nem tudo esteja perdido
Mas não sabem que na cápsula
um grupo de terroristas
vai sabotando a viagem
mudando o rumo previsto
Fica tudo executado
em pouco mais de três dias
E torna de novo a nave
quase ao ponto de partida
Quem mais se aflige é a grávida
com ar de Madona antiga
ao ver que à Terra terá de
ir entregar o seu filho
Já lhe rebentam as águas
quando se apeia na pista
Já pra dentro de uma cave
os outros a encaminham
Já por entre as dores do parto
um facho de luz luzia
Quem sabe se necessário
não fora enfim tudo isso
para que à Terra baixasse
mais um resgate possível
Pálida pálida pálida
lívida lívida lívida
de costas a mulher grávida
já vagamente sorria.




19
O NATAL
Orlando Neves


Aproximava-se a noite de Natal, naquela comunidade do Sul.

Numa azáfama incontrolável, as ruas da cidade, nessa tarde de 24 de Dezembro, estavam completamente apinhadas. Entrava-se e saía-se dos grandes armazéns, ajoujados das mais variadas prendas para distribuir nessa noite ou na manhã seguinte. Sobretudo os mais novos viviam um momento de euforia procurando que os pais lhe comprassem todos os géneros de brinquedos e guloseimas. Havia nas ruas um ar de festa ouvindo-se, a sair de todas as lojas, alegres cânticos de Natal.

A comunidade festejava, mais uma vez, o nascimento do Salvador.

Ao chegar ao lar, o casal, que passara toda a tarde nas ruas centrais da cidade, nessa loucura feita de alegria e constrangimento por, afinal, não poderem comprar tudo quanto desejariam, encontrou os avós e os sobrinhos-órfãos, sentados, aguardando o seu regresso. Por outro lado, os filhos rodearam-nos, febris, tentando adivinhar que presentes iriam receber, um pouco mais tarde, após a ceia.

Chegadas as 10 horas da noite toda a família se sentou em volta da mesa para a refeição festiva.

A mãe veio da cozinha, ajudada pelas duas avós, trazendo uma enorme bandeja que, solenemente, pôs em cima da mesa. Imediatamente toda a pequenada se lançou, com voracidade, sobre a iguaria, constituída por um robusto homem moreno, assado com batatas louras, em molho de vinho tinto da região. Os pais puseram cobro àquele assalto desordenado e dividiram, irmãmente, o homem.

A comunidade que, então, festejava o Natal, era, como já se aperceberam, uma comunidade de perus.



🌲


20
NA TAL 
David Mourão-Ferreira 

Na tal habitação volto a falar-te

Na tal que já eu próprio não conheço
Na tal que mais que tálamo era berço
Na tal em que de noite nunca é tarde
Na tal de que por fim ninguém se evade 
Na tal a que sei bem que não regresso 
Na tal que umbilical cabe num verso 
Na tal sem universo que a iguale

Na tal habitação te vou falando

Na tal como quem joga às escondidas 
Na tal a ver se tu me dizes qual 

Na tal de que eu herdei só este canto

Na tal que para sempre está perdida
Na tal em que o natal era Natal 

🎄


21

VERSOS DE NATAL 
Manuel Bandeira

Espelho, amigo verdadeiro,

Tu reflectias as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exacto e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,

Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo.
O menino que todos os anos na véspera do natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

🎅


22

FALAVAM-ME DE AMOR 
Natália Correia

Quando um ramo de doze badaladas 

se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas, 

menino eras de lenha e crepitavas

porque do fogo o nome antigo tinhas
se em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias

de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta

e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.





23

NATAL, E NÃO DEZEMBRO 
David Mourão-Ferreira

Entremos, apressados, friorentos, 
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido... 
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sitio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois : somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada. 

🌟


24

UMA PEQUENINA LUZ 
Jorge de Sena

Uma pequenina luz

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha.

🌲



25
POEMA DE NATAL
Vinicius de Moraes


Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.





🎅


26
NATAL 
Miguel Torga

Nasce mais uma vez,

Menino Deus!
Não faltes, que me faltas
Neste Inverno gelado.
Nasce nu e sagrado
No meu poema,
Se não tens um presépio
Mais agasalhado
Nasce e fica comigo
Secretamente
Até que eu, infiel, te denuncie
Aos Herodes do mundo.
Até que eu, incapaz
De me calar
Devasse os versos e destrua a paz
Que agora sinto, só de te sonhar

🌟


27

LITANIA PARA O NATAL DE 1967 
David Mourão-Ferreira

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
dentro de um fogão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que existo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Para nos vir pedir contas do nosso tempo



28
OS ANIMAIS DO PRESÉPIO
Carlos Drummond de Andrade


Salve, reino animal:
todo o peso celeste
suportas no teu ermo.

Toda a carga terrestre
Carregas como se
fosse feita de vento.

Teus cascos lacerados
na lixa do caminho
e tuas cartilagens

e teu rude focinho
e tua cauda zonza,
teu pêlo matizado,

tua escama furtiva
as cores com que iludes
teu negrume geral,

teu vôo limitado,
teu rastro melancólico,
tua pobre verônica

em mim, que nem pastor
soube ser, ou serei,
se incorporam num sopro.

Para tocar o extremo
de minha natureza,
limito-me: sou burro.

Para trazer ao feno
o senso da escultura,
concentro-me: sou boi.

A vária condição
por onde se atropela
essa ânsia de explicar-me

agora se apascenta
à sombra do galpão
neste sinal: sou anjo.


 🌟

29
CHOVE. É DIA DE NATAL 
Fernando Pessoa

Chove. É dia de Natal.

Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse

O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem a quadra

E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

🌲


30

PRESÉPIO
Pedro Homem de Mello 

Duas tábuas...

E era um berço!

Tudo escuro...

E alumiava!

Estaria Deus lá dentro?

Fomos a ver...

E lá estava!




31

LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS
David Mourão-Ferreira


Há-de vir um Natal e será o primeiro

em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro

em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro

em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro

em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro

em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro

em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro

em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro

em que o Nada retome a cor do Infinito




32
MELOPEIA DE DEZEMBRO
José Régio


A menina tinha fome,
Tinha frio o irmãozinho.
Louvado seja Deus, santo o seu nome!
O Pai Natal vem a caminho!

Na rasa tábua da mesa,
Não havia pão nem vinho.
Mais pobre é quem odeia, é quem despreza!
O Pai Natal vem a caminho!

Seca o leite à mãe viúva,
No murcho seio maninho.
Transformar-se-á em leite a água da chuva!
O Pai Natal vem a caminho!

Levantando em frente os braços,
Apalpa treva o seguinho.
Faça-se luz diante de seus passos!
O Pai Natal vem a caminho.

Ninguém vela o moribundo
No seu grabato de pinho.
Vai-se-lhe abrir, por fim, o Novo Mundo!
O Pai Natal vem a caminho!

Crucifica-se o inocente,
Perante o riso escarninho.
Sobe direito ao céu, corpo pendente!
O Pai Natal vem a caminho!

Sem chão, sem pão, sem paz, sem luz, sem ar,
Cada um morre sozinho.
Morrer será ressuscitar!
O Pai Natal tem bem que andar…
O Pai Natal vem a caminho!


🌲

33
NÃO DIGO DO NATAL
Pedro Tamen

Não digo do Natal – digo da nata 

do tempo que se coalha com o frio 
e nos fica branquíssima e exacta 
nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade 

esses tempos relíquidos e pardos 
e faz assim que o coração se agrade 
de terrenos de pedras e de cardos 

por dezembros cobertos. Só então 

é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão, 

e as cores da terra são feroz loucura 

moídas numa só, e feitas pão 
com que a vida resiste, e anda, e dura. 




34
LITANIA DO NATAL
José Régio


A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que então me recordei do santo dia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»

E assim, mais uma vez, Jesus nascia.



🎅

35
NATAL
Maria Teresa Horta

É um tempo de cristal

e rosas rubras
Com asas de topázio
e de verbena
onde a memória se descura
E a infância retorna
fio e seda, a misturar
o sonho com a lua.
É um tempo de ideais
e de lonjura
De afectos dobados
na clave do peito, 
enquanto no coração se insinua
Um júbilo maior
de amor-perfeito

🎄

36
ODE AOS NATAIS ESQUECIDOS
José Jorge Letria


Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta
que dava acesso aos mistérios da noite,
daquela noite em particular, por ser a mais terna
de todas as noites que a minha memória
era capaz de guardar, com letras e sons,
no seu bojo de coisas imateriais e imperecíveis.
Tinha comigo os cães e os retratos dos mortos,
a lembrança de outras noites e de outros dias,
os brinquedos cansados da solidão dos quartos,
os cadernos invadidos pêlos saberes inúteis.
E todos me diziam que era ainda muito cedo,
porque a meia-noite morava já dentro do sono,
no território dos anjos e dos outros seres alados,
hora inatingível a clamar pela nossa paciência,
meninos hirtos de olhos fixos na claridade
enganadora de uma árvore sem nome.

Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusões também.
Tudo se tornou gélido, esquivo e distante
como a tristeza de um fantasma confrontado
com a beleza da vida para sempre perdida.
Deixaram de me dar presentes e de dizer
que era o Menino Jesus que os trazia
para premiar a minha grandeza de alma,
o meu desejo de ser bom para os outros.
Passei a escrever sobre tudo isso, sofregamente,
só para não ter de escrever sobre a saudade
que esse tempo fugidio deixou em mim.

A árvore mirrou de frio num canto da sala,
os presentes apodreceram no sótão da casa,
juntamente com os doces da Consoada
que ninguém teve vontade de comer,
nem mesmo os mais gulosos como eu.
Um homem de muita idade bateu-me à porta
e depositou-me nas mãos um pequeno embrulho:
«Eis o teu presente de Natal» — disse-me.
Abri-o e vi um livro onde se contava
toda a minha vida desde o primeiro Natal
de que conseguia lembrar-me, tudo o mais esquecendo.
Ali estava eu de pé, muito quieto, junto da árvore,
à espera que alguém me viesse dizer
que o céu era pródigo em revelações e dádivas.
Era para lá que eu sonhava ir quando morresse.

Quando Dezembro se aproximar do fim,
lançarei pétalas ao vento como se tentasse
semear o perfume do que fui enquanto acreditei.
Talvez o homem volte com outro embrulho secreto,
só para me dizer que esse é o livro que ainda me falta escrever.
Então, juntarei os amigos, os filhos e os netos
numa roda de luz à minha volta e direi do Natal
o que os antigos diziam dos heróis e dos deuses:
foi à sombra deles que nos fizemos homens.
Quando eu partir de vez, lembrem ao menos
a ternura do meu sorriso de menino
quando a meia-noite soava no relógio da sala
e eu acreditava ainda que a felicidade era possível.




37
NATAL
Fernando Pessoa

Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.

🎅

38
NATAL DIVINO
Miguel Torga


Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.

O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar...
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar...




39
A FAVA
Vasco Graça Moura


espero que me calhe aquela fava
que é costume meter no bolo-rei:
quer dizer que o comi, que o partilhei
no natal com quem mais o partilhava

numa ordem das coisas cuja lei
de afectos e memória em nós se grava
nalgum lugar da alma e que destrava
tanta coisa sumida que, bem sei,

pela sua presença cristaliza
saudade e alegria em sons e brilhos,
sabores, cores, luzes, estribilhos...
e até por quem nos falta então se irisa

na mais pobre semente a intensa dança
de tempo adulto e tempo de criança.


40
NATAL
José Régio


Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!

Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, — do fundo
Da miséria que somos.

Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos — não uma vez, mas cada —
Teus assassinos.

À tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.

Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infane.

Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.

Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.

Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.

Como é que ainda tens a infinita paciência
De voltar, — e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa Tudo que lhe ofereces?

Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!

🎊

41
HINO DE AMOR
João de Deus


Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O bom Jesus,
O Deus Menino.

Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
E esvoaçando
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do Sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto,
Foge a serpente,
E de repente
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência,
Que comovia
O coração!
Jesus caminha
No seu passeio,
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio
Enquanto o via;
De vez em quando
Lá lhe passava
A dianteira
E mal poisava,
Não afroixava
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!

Assim foi indo
E foi seguindo.
De tal maneira,
Que noite e dia
Numa palmeira,
Que havia perto
Donde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
(Era já certo)
Ela lá estava
A pobre ave
Cantando o hino
Terno e suave
Do seu amor
Ao Salvador!

🌟

42
EM CRUZ NÃO ERA ACABADO
Natália Correia


As crianças viravam as folhas
dos dias enevoados
e da página do Natal
nasciam os montes prateados

da infância. Intérmina, a mãe
fazia o bolo unido e quente
da noite na boca das crianças
acordadas de repente.

Torres e ovelhas de barro
que do armário saíam
para formar a cidade
onde o menino nascia.

Menino pronunciado
como uma palavra vagarosa
que terminava numa cruz
e começava numa rosa.

Natal bordado por tias
que teciam com seus dedos
estradas que então havia
para a capital dos brinquedos.

E as crianças com a tinta invisível
do medo de serem futuro
escreviam os seus pedidos
no muro que dava para o impossível,

chão de estrelas onde dançavam
a sua louca identidade
de serem no dicionário
da dor futura: saudade.

🎄

43

NATAL CHIQUE
Vitorino Nemésio


Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado...
Só esse pobre me pareceu Cristo.


🎅

44
É TEMPO DE NATAL
António Manuel Couto Viana


É tempo de Natal. Exibe-se um pinheiro,
Com lâmpadas de cor, sobre o balcão.
Tem, também, pendurados, a isca do dinheiro
E flocos finos de algodão.

Nas férias, foge a freguesia
Do final das manhãs,
Com os seus kispos disformes, de inflada fantasia,
E o conforto das lãs.

Bebem-se mais bebidas quentes.
O chão, mais húmido, incomoda.
E há apelos insistentes
Do cauteleiro que anda à roda.

Os embrulhos, nas mesas, nos regaços,
Com vistosos papéis,
Florescem de acetinados laços,
Lembram o oiro, o incenso, a mirra, em mãos de reis.

Muitos adultos. Pouca criançada.
Muito cansaço. Pouca animação.
A vida (a cruz!) tão cara, tão pesada!
E dão-se as boas-festas sem se sentir que o são.

Consigo mesa junto à vidraça.
E é em mim que procuro, ou é lá fora,
A estrela que não luz, o pastor que não passa,
O anjo que não vem anunciar a hora?

🎊

45
NATAL
Mauro Mota


Natal, antes e agora
imutável. Feliz
noite branca sem hora
no pátio da Matriz.

Natal: os mesmos sinos
de repiques iguais.
Brinquedos e meninos,
Natal de outros natais.

A Banda, vozes, passos
da multidão fiel.
Tudo nos seus espaços,
o mundo e o carrossel.

Tudo, menos o andejo
homem que se conclui.
Olho-me, e não me vejo,
não sei para onde fui.



🌟


46
NATAIS MÁGICOS 
Maria Amélia Moura

Volto para a velha casa e acendo a lareira....
Sentada no chão , ouço as minhas velhas músicas,
Que me fazem sair de mim própria....
A viagem pára no Tempo
Em que tudo era mágico….

O céu era Luz recortado pelos telhados da rua de traços medievais…
Os sapatinhos minúsculos esperavam o menino
Que desceria pela chaminé…

Que pena, pensava eu, criança que o Menino
Ficaria sujo do fumo!

Que magia!Que emoção na espera!
Hoje….
Sento-me sem mais nada desejar .....

A paz vem...
Sou grata….


🎄

47
NATAL
Manuel Alegre


Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

🌲

48
NATAL DE 1971
Jorge de Sena


Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens

devem estender-se a mão?

🌟

49
NATAL
Miguel Torga

Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus…
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas…
A divindade é o menos.




50
NATAL
Miguel Torga

Outro natal,
Outra comprida noite
De consoada
Fria,
Vazia,
Bonita só de ser imaginada.
Que fique dela, ao menos,
Mais um poema breve
Recitado
Pela neve
A cair, ao de leve,
No telhado.

🌟

51
NATAL... NATAIS...
Cabral do Nascimento

Tu, grande Ser,
Voltas pequeno ao mundo.
Não deixas nunca de nascer!
Com braços, pernas, mãos, olhos, semblante,
Voz de menino.
Humano o corpo e o coração divino.

Natal... Natais...
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?

Em cada estrela sempre pomos a esperança
De que ela seja a mensageira,
E a sua chama azul encha de luz a terra inteira.
Em cada vela acesa, em cada casa, pressentimos
Como um anúncio de alvorada;
E ein cada árvore da estrada
Um ramo de oliveira;
E em cada gruta o abrigo da criança omnipotente;

E no fragor do vento falas de anjos, e no vácuo
De silêncio da noite
Estriada de súbitos clarões,
A presença de Alguém cuja forma é precária
E a sua essência, eterna.
Natal... Natais...
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?

💥


52
TEMPO DE LUZES
Maria Teresa Horta

É um tempo coado
de azevinho
com odores de doce

e de memória

O colo da mãe
em desalinho
a cor da ternura

na demora

É um tempo de luzes
e de linho
com sussurros

de cristal e de romã

Lonjura que nos traz
o som de um sino
onde o sonho se mistura

com a manhã


🎇


53  
NATAL: UMA ALEGRIA QUE VEM DE DENTRO
José Tolentino Mendonça


Não recorras ao que já sabes do Natal,
mas coloca-te à espera
daquilo que de repente em teu coração
se pode revelar
Não reduzas o Natal ao enredo dos símbolos
tornando-o um fragmento trémulo sem lugar
no concreto da vida
Não repitas apenas as frases que te sentes obrigado a dizer
como se o Natal devesse preencher um vazio
em vez de o desocultar
Não confundas os embrulhos com o dom
nem a acumulação de coisas com a possibilidade da festa:
o que recebes de graça
só gratuitamente poderás partilhar
Cuida do exterior sabendo que ele é verdadeiro
quando movido por uma alegria que vem de dentro
Uma só coisa merece ser buscada e celebrada, uma só:
o despertar de uma Presença no fundo da alma
Por isso o Natal que é teu não te pertence
Só a outro o poderás pedir.


💥

54  
NOITE  DE NATAL
António Feijó

[A um pequenito, vendedor de jornais]

Bairro elegante, – e que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
O pequenito adormeceu...

Morto de frio e de cansaço,
As mãos no seio, erguido o braço
Sobre os jornais, que não vendeu.

A noite é fria; a geada cresta;
Em cada lar, sinais de festa!
E o pobrezinho não tem lar...

Todas as portas já cerradas!
Ó almas puras, bem formadas,
Vede as estrelas a chorar!

Morto de frio e de cansaço,
As mãos no seio, erguido o braço
Sobre os jornais, que não vendeu,

Em plena rua, que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
O pequenito adormeceu...

Em torno dele – ó dor sagrada!
Ao ver um círculo sem geada
Na sua morna exalação,

Pensei se o frio descaroável
Do pequenino miserável
Teria mágoa e compaixão...

Sonha talvez, pobre inocente!
Ao frio, à neve, ao luar mordente,
Com o presépio de Belém...

Do céu azul, às horas mortas,
Nossa Senhora abriu-lhe as portas
E aos orfãozinhos sem ninguém...

E todo o céu se lhe apresenta
Numa grande Árvore que ostenta
Coisas dum vívido esplendor,

Onde Jesus, o Deus Menino,
Ao som dum cântico divino,
Colhe as estrelas do Senhor...

E o pequenito extasiado,
Naquele sonho iluminado
De tantas coisas imortais,

– No céu azul, pobre criança!
Pensa talvez, cheio de esp’rança,
Vender melhor os seus jornais...

🎅


55  
O PRESÉPIO DOS AVÓS
José Jorge Letria


Vêm de noite, cansados,
sem temerem a distância
pois os netos estão à espera
no reino da sua infância.

Há dias encomendaram
um enorme bolo-rei
que tem uma fava rija
e um brinde em ouro de lei.

São amigos do Pai Natal
e também são construtores
dos presépios de outros tempos
que tinham anjos voadores.

Pensaram escrever um livro
lembrando os velhos natais
em que havia mais esperança
nas notícias dos jornais.

Mas o livro que escreveram
foi afinal o da vida
que há-de ter um fim feliz
na hora da despedida.

Agora têm os netos
sentados à sua volta;
são a roda dos afetos
com tanta ternura à solta. 

São o tempo que dá tempo
aos pais tão atarefados,
são a alegria que espalha
sorrisos por todos os lados.






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