O próprio do ser humano é pensar. Pensa, pois, de dia e de noite. Neste espaço - às vezes nulo - entre dias e noites surgiu a possibilidade de um estendal de documentos. Primeiro, pensados para possível utilização em atividades escolares. Depois, expostos à sensibilidade de qualquer um. Se não vieres de dia, se não vieres de noite, podes vir ao lusco-fusco que é quando o texto, a imagem, o som e o silêncio sustentam a cor do teu olhar.
José Maria Laura
sexta-feira, 29 de março de 2024
sexta-feira, 22 de março de 2024
Dia da Água na Ferreira e na corrente poética dos Dias
Miguel Torga
Chove chuva
Chove chove
chuva chove.
Chove chuva
chove cá.
Já choveu
uma chuvada
numa chávena de chá.
Numa chávena de chá
numa chávena chinesa
chove chuva
chuva chove
no chá da dona Teresa
Chove chuva
chuva chove.
Chove chuva
chove cá.
Já estou farto de chuva.
Quero tomar um chá.
António Mota
SÍLVIA PÉREZ CRUZ - Mañana
quinta-feira, 21 de março de 2024
Na Ferreira ... Transparências faciais
Da transparência
Senhor libertai-nos do jogo perigoso da transparência
No fundo do mar da nossa alma não há corais nem búzios
Mas sufocado sonho
E não sabemos bem que coisa são os sonhos
Condutores silenciosos canto surdo
Que um dia subitamente emergem
No grande pátio liso dos desastres
Sophia de Mello Breyner Andresen
Nova exposição de trabalhos graças ao dinamismo do professor Osvaldo Castanheira e da professora Carmelita Pires!
quarta-feira, 20 de março de 2024
MIGUEL TORGA - Agora
AGORA
Abre-te, Primavera!
Tenho um poema à espera
Do teu sorriso.
Um poema indeciso
Entre a coragem e a covardia.
Um poema de lírica alegria
Refreada,
A temer ser tardia
E ser antecipada.
Dantes, nascias
Quando eu te anunciava.
Cantava,
E no meu canto acontecias
Como o tempo depois te confirmava.
Cada verso era a flor que prometias
No futuro sonhado…
Agora, a lei é outra: principias,
E só então eu canto confiado.
Miguel Torga
Diário X
segunda-feira, 18 de março de 2024
NUNO JÚDICE (1949-2024)
Rotação
É nos teus olhos.
É nos teus olhos que o mundo inteiro cabe,
mesmo quando as suas voltas me levam para longe de ti;
e se outras voltas me fazem ver nos teus os meus olhos,
não é porque o mundo parou,
mas porque esse breve olhar nos fez imaginar
que só nós é que o fazemos andar.
Pedro lembrando Inês, 2002
Receita para fazer o azul.
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz - eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé - e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Meditação sobre ruínas , 1994
A Vida
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;
a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.
Teoria Geral do Sentimento, 1999
Para escrever o poema
O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.
O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.
O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.
Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.
Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.
Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.
Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.
A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.
E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.
E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.
O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito.
A matéria do poema, 2008
Jogo
Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.
A Fonte da Vida, 1997
terça-feira, 12 de março de 2024
RFI - Villers-Cotterêts, berço da língua francesa
«Assinala-se este mês de Março o dia da Francofonia, com o objectivo de promover a língua francesa em todo o mundo. Desde o final de Outubro do ano passado que o antigo castelo de Francisco I°, em Villers-Cotterêts, no nordeste de França, acolhe a Cité Internationale de la Langue Française.»