domingo, 9 de fevereiro de 2025

Na Ferreira ... Dias de História


no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto





Fotografias de um passado cruel a espelharem-se nas nossas vivências quotidianas...





Fotografias - Maria Laura Matos



«Nos 80 anos do fim da II Guerra Mundial e da libertação dos sobreviventes do Holocausto dos campos de concentração, o Grupo de História, juntamente com as suas turmas, relembrou este triste episódio da História, no âmbito do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Foi discutido previamente com os alunos este genocídio em massa perpetrado pelo sistema nazi, constituindo, este, um dos maiores crimes contra a Humanidade.» 




A Ferreira não esquece!

Graças às professoras Ana Manuel, Mónica Penajóia, Margarida Carapinha e ao professor Tiago Costa!
Gratos!


Se isto é um Homem


Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.



Si c'est un homme

Vous qui vivez en toute quiétude
Bien au chaud dans vos maisons,
Vous qui trouvez le soir en rentrant
La table mise et des visages amis,
Considérez si c'est un homme
Que celui qui peine dans la boue,
Qui ne connaît pas de repos,
Qui se bat pour un quignon de pain,
Qui meurt pour un oui pour un non.
Considérez si c'est une femme
Que celle qui a perdu son nom et ses cheveux
Et jusqu'à la force de se souvenir,
Les yeux vides et le sein froid
Comme une grenouille en hiver.
N'oubliez pas que cela fut,
Non, ne l'oubliez pas :
Gravez ces mots dans votre cœur.
Pensez-y chez vous, dans la rue,
En vous couchant, en vous levant ;
Répétez-les à vos enfants.
Ou que votre maison s'écroule,
Que la maladie vous accable,
Que vos enfants se détournent de vous.


1947
PRIMO LEVI









sábado, 8 de fevereiro de 2025

MARISA LIZ - Mudar a Canção

 








Marisa Liz
Alex D’Alva
Bárbara Tinoco 
Carlão
Cláudia Pascoal 
Diogo Piçarra 
Iolanda
Luís Trigacheiro 
Neyna 
Paulo de Carvalho
Sara Correia
Simone de Oliveira 

Letra: Marisa Liz, AC Firmino, BATAMATA
Música: Cancioneiro Tradicional, Marisa Liz, BATAMATA




ROBERT DOISNEAU e JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS

 


Le beigneur en vitrine 
Paris -1959



A VERDADE

Je ne crois que  les histoires dont les témoins se feraient égorger!
Pensées, Pascal

   Eu tinha chegado tarde à escola. O mestre quis, por força, saber porquê. E eu tive que dizer: Mestre! quando saí de casa tomei um carro para vir mais depressa, mas, por infelicidade, diante do carro caiu um cavalo com um ataque que durou muito tempo. 
   O mestre zangou-se comigo: Não minta! diga a verdade! 
   E eu tive de dizer: Mestre! quando saí de casa... minha mãe tinha um irmão no estrangeiro e, por infelicidade, morreu ontem de repente e nós ficámos de luto carregado. 
   O mestre ainda se zangou mais comigo: Não minta! diga a ver­dade!!
   E eu tive de dizer: Mestre! quando saí de casa... estava a pensar no irmão de minha mãe que está no estrangeiro há tantos anos, sem escrever. Ora isto ainda é pior do que se ele tivesse morrido de repente porque nós não sabemos se estamos de luto carregado ou não.         Então o mestre perdeu a cabeça comigo: Não minta, ouviu? diga a verdade, já lho disse!
   Fiquei muito tempo calado. De repente, não sei o que me pas­sou pela cabeça que acreditei que o mestre queria efectivamente que lhe dissesse a verdade. E, criança como eu era, pus todo o peso do corpo em cima das pontas dos pés, e com o coração à solta con­fessei a verdade: Mestre! antes de chegar à Escola há uma casa que vende bonecas. Na montra estava uma boneca vestida de cor-de­-rosa! Mestre! a boneca estava vestida de cor-de-rosa! A boneca tinha a pele de cera. Como as meninas! A boneca tinha tranças caídas. Como as meninas! A boneca tinha os dedos finos. Como as meninas! Mestre! A boneca tinha os dedos finos...

Escrito em 1921
Publicado em Novembro de 1921



Almada Negreiros 

A invenção do dia claro, III PARTE


terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

MARIA TERESA HORTA (1937-2025)

 



Fotografia de ALFREDO CUNHA - AQUI


TEMPO DE LUZES


É um tempo coado
de azevinho
com odores de doce

e de memória

O colo da mãe
em desalinho
a cor da ternura

na demora

É um tempo de luzes
e de linho
com sussurros

de cristal e de romã

Lonjura que nos traz
o som de um sino
onde o sonho se mistura

com a manhã





MORRER DE AMOR

Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso




VOAMOS

Voamos a lua,
menstruadas

Os homens gritam:
- são as bruxas

As mulheres pensam:
- são os anjos

As crianças dizem:
- são as fadas



AMOR HUMANO

Eu te procurarei 
por entre os astros 
do meu sobressalto
e tudo parecerá perdido 
à minha beira a querer iludir 
séculos de engano
ano após ano
Mas nada será mais belo 
que o nosso amor humano



RESISTÊNCIA

Ninguém me castra a poesia
se debruça e me põe vendas
censura aquilo que escrevo
nem me assombra os poemas

Ninguém me paga os versos
nem amordaça as palavras
na invenção de voar
por entre o sonho e as letras

Ninguém me cala na sombra
deitando fogo aos meus livros
me ameaça no medo
ou me destrói e algema

Ninguém me aquieta a escrita
na criação de si mesma
nem assassina a musa
que dentro de mim se inventa



BASTA
                    
Basta.
— digo —
que se faça
do corpo da mulher:

a praça — a casa
a taça

A ÁGUA

Com que se mata
a sede
do vício e da desgraça




FIM DE DIA DE UMA OPERÁRIA GRÁVIDA

Sente o peso do filho
na barriga
As costas leva curvadas

Nas pernas vê as varizes
Vê as mãos
que traz inchadas

(A casa! Chegar a casa!)

E vai andando apressada: empurrando o corpo
lento
devorado de cansaço
Com um desespero manso e firme a entrar-lhe
pelos braços

(A casa? Chegar a casa?)

E a cama desalinhada?
E a comida por fazer?
E a louça não lavada?

Na fábrica ficou a máquina
na oficina o ruído
a obra já acabada

Mas ainda falta a casa
Com a sua vida a cumprir: .
varrer
panelas
jantar

E a roupa do marido
toda ainda por lavar

(A casa... Chegar a casa…)

A que horas vai poder
deitar-se para dormir?
Num sono de se esquecer…

A que horas vai poder?
Sente o peso do filho
na barriga
As costas leva curvadas

Nas pernas vê as varizes
Vê as mãos
que traz inchadas

(A casa! Chegar a casa!)

E vai andando apressada: empurrando o corpo
lento
devorado de cansaço
Com um desespero manso e firme a entrar-lhe
pelos braços

(A casa? Chegar a casa?)

E a cama desalinhada?
E a comida por fazer?
E a louça não lavada?

Na fábrica ficou a máquina
na oficina o ruído
a obra já acabada

Mas ainda falta a casa
Com a sua vida a cumprir: .
varrer
panelas
jantar

E a roupa do marido
toda ainda por lavar

(A casa... Chegar a casa…)

A que horas vai poder
deitar-se para dormir?
Num sono de se esquecer…

A que horas vai poder?



ENQUANTO CALAS

Enquanto calas
dobas o medo
que te cresce na fala

E a solidão bordas
a ponto de silêncio




PONTO DE HONRA

Desassossego a paixão
espaço aberto nos meus braços
Insubordino o amor
desobedeço e desfaço

Desacerto o meu limite
incendeio o tempo todo
Vou traçando o feminino
tomo rasgo e desatino

Contrario o meu destino
digo oposto do que ouço

Evito o que me ensinaram
invento troco disponho
Recuso ser meu avesso
matando aquilo que sonho

Salto ao eixo da quimera
saio voando no gosto

Sou bruxa
Sou feiticeira
Sou poetisa e desato
Escrevo
e cuspo na fogueira