(...) Há uma década, talvez tivesse alguma vergonha. Hoje, enche-me de orgulho. Possuo uma gaguez ligeira, que piora quando tenho de ler em voz alta - cada um com os seus traumas, enfim... Mas já algumas vezes falei da obra de Saramago deste ponto de vista: para mim, a voz narrativa do Nobel (o seu ‘metrónomo’ ou compasso, por assim dizer) encontra-se enformada pela experiência da gaguez, que, a partir de certa altura da vida, deixou de se notar nele. Espero que também se leia isso no meu trabalho: que sou gago e sempre serei, e que, após décadas de vergonha, finalmente compreendi que era uma dádiva. Esquisito? Nem por isso. Uma pessoa que gagueja na infância irá procurar sinónimos, outras maneiras de dizer aquilo que pressente ser um obstáculo, caminhos alternativos para chegar ao mesmo lugar. O seu ‘tempo’ é outro - nem melhor, nem pior -, e isso provoca desconforto a quem tem pressa. Mas também ginastica o cérebro e ‘molda-o’ de maneira diferente, contribui para a expansão do vocabulário e possibilidades narrativas. Talvez tenha sido impossível, para mim, meter conversa com aquela miúda gira do 7. Ano por medo da gaguez, mas a gaguez esteve presente na métrica e nos compassos de todos os meus livros. Se hoje sou este escritor, também o devo a ser gago. Também o Saramago, estou certo (porventura só um gago entenderá isto ao ler os seus livros.) Seja como for: obrigado por me incluírem, sou orgulhosamente ‘disfluente’ ❤️»
João Tordo
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