segunda-feira, 8 de março de 2021

ANA AFONSO - A minha realidade de ser mulher

Há uns aninhos, jovem aluna 
hoje, mulher jovem
E sempre ...
... uma sensibilidade atenta, uma escrita aguçada!

Gratos!
José Maria Laura 


Ana Afonso


A MINHA REALIDADE DE SER MULHER

Eu não ia falar de nada disto, juro. Sou muito pouco de assinalar dias [...]. Mas hoje de manhã uma empresa, para a qual já não trabalho, pedia a nossa colaboração para a sugestão de palavras que mostrassem o "simbolismo" da mulher para posterior partilha nas redes sociais. As sugestões foram muitas, entre outras surgiram conceitos como heroína, guerreira, multi tasking, cuidadora, zeladora, sensível, intuitiva, mãe... Reclamei: que ninguém se sinta na obrigação de ser guerreira, heroína, intuitiva, capaz de multitasking e, muito menos, de ser mãe. Houve respostas a lamentar a minha posição, a minha realidade (pois, já se sabe, cada um vê a realidade como a tem). E sim, é verdade: a minha realidade é a realidade da mulher a quem, numa entrevista de trabalho, perguntaram se planeava ter filhos. A minha realidade é a realidade da exaustão, da carga mental, do equilibrismo de todos os dias, de se exigir mais de mim por ser mulher, em especial na parentalidade. A realidade de não me encaixar porque não sou a mulher sensível, recatada, que não faz barulho nem diz palavrões, que não abana a m#rda do sistema patriarcal. A realidade de "assim assustas os homens", de "os homens são mesmo assim", de "as mulheres existem para sofrer e por isso aguentam mais a dor".

Sim, infelizmente, a minha realidade é esta...

Mas não é só: é também a realidade da mãe solteira. Da mulher trans que ouve que "não é bem mulher a sério". Da mulher obesa. Da mulher cigana. Da mulher que "não faz nada" porque fica em casa. Da mulher lésbica que "nem parece lésbica". Da que não pinta o cabelo e assume as rugas. Da que não quer ser mãe. Da mulher negra. Da mulher com deficiência. Da mulher muçulmana que se sente oprimida por usar e por não usar hijab. Da mulher a quem foram negados direitos que são "dos homens": conduzir, ter uma conta bancária, viajar. Da que ganha menos que o colega com pénis. Até é a realidade de quem nem se identifica como mulher.

Sim, infelizmente, esta é a minha realidade de ser mulher. Mas devia ser a vossa também. 


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ANA AFONSO

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